Ivan Lauffer
Uma poderosa rede de corrupção, lavagem de dinheiro e negociações suspeitas envolve Donald Trump, seus assessores e conselheiros, com diversos fundos de financiamento controlados por ex-burocratas soviéticos. O que começou provavelmente na década de 80 com auxílio para empreendimentos imobiliários, em troca de informações privilegiadas, conforme denunciado por ex-agentes da KGB, é hoje uma complexa teia de prestação de serviços, influência em fornecimentos de dados secretos, acordos e favorecimentos geopolíticos.
Até o ano de 2014, direitistas e conservadores do mundo inteiro eram chamados de “fascistas” por seu apoio majoritário aos ucranianos no Euromaidan. A Ucrânia enfrentava um dos momentos mais conturbados desde a sua separação da União Soviética em 1991. O então presidente Viktor Yanukovych decidiu suspender um acordo de associação com a União Europeia e buscar relações mais estreitas com a Rússia, o que desancadeou uma violenta revolta popular, com manifestações na Praça da Independência em Kiev e uma brutal reação por parte do governo.
Infiltrados, policiais e franco-atiradores posicionados em prédios assassinavam manifestantes ucranianos e uma guerra civil era iminente. Yanukovych foi forçado a fazer concessões à oposição para acabar com o banho de sangue e encerrar a acentuada crise política [1]. Sob os olhares da UE, novas eleições foram marcadas para dezembro de 2014, mas, ainda em 21 de fevereiro, um dia após o acordo, Viktor decidiu fugir do país.
Com o novo governo ucraniano tomando posse, novos conflitos se instalaram na Crimeia e regiões do leste ucraniano. Junto de Vladislav Surkov, assessor de Vladimir Putin na época, o fugitivo ex-presidente foi responsabilizado pelas dezenas de mortes na revolta do Euromaidan [2].
Nesse imbróglio, que deu início a atual guerra entre Ucrânia e Rússia, um nome chama atenção. Durante campanha eleitoral, quatro anos antes do Euromaidan, Yanukovych teve como consultor o experiente conselheiro americano Paul Manafort. Tendo trabalhado para ditadores da áfrica e da ásia, além de auxiliar candidatos republicanos, Manafort foi também responsável pela campanha de Donald Trump em 2016.
Curiosamente, Manafort se retirou de seu auxílio ao candidato Republicano após denúncias de que havia recebido mais de US$ 12 milhões em dinheiro por seu trabalho como conselheiro de Yanukovych – valores não declarados ao fisco americano [3].
Paul Manafort trabalhou para o bilionário russo Oleg Deripaska, magnata ligado ao setor de alumínios [4]. Em 2010, Manafort recebeu um empréstimo de US$ 10 milhões de Deripaska, que ele canalizou por meio de sua empresa de fachada, promovendo os interesses russos na Ucrânia, Geórgia e Montenegro. Alguns anos antes, em 2006, Manafort havia usado a mesma empresa de fachada para comprar um apartamento na Trump Tower [5].
Um militar americano no banquete da KGB
O ex-conselheiro de segurança nacional no primeiro governo Trump, tenente-general aposentado Michael Flynn, sentou-se ao lado de Putin em um banquete da emissora estatal Russia Today, em Moscou, um ano antes da disputa eleitoral americana. Flynn negou qualquer conversa com o ditador russo, mas teria recebido 45 mil dólares para comparecer à festa. O ex-militar americano era uma das 10 pessoas na mesa principal, incluindo a liderança máxima e autoridades da cúpula do Kremlin – desses últimos, três sob sanções dos EUA na época por seu papel na anexação da Crimeia pela Rússia [6].
Sergey Ivanov, então chefe de gabinete de Putin, sentou-se diretamente do outro lado da mesa de Flynn. Ao lado de Ivanov estava Dmitry Peskov, nominalmente porta-voz de Putin. Flanqueando Putin à sua direita, dois assentos de Flynn, estava Alexey Gromov, vice-chefe de gabinete de Putin. A inteligência dos EUA considera Gromov o principal propagandista de Putin.
Depois que Putin se levantou para fazer seu discurso, seu lugar ao lado de Flynn foi ocupado por Margarita Simonyan, editora-chefe da RT. Ela também é editora-chefe da Rossiya Segodnya, uma agência de notícias russa estatal e operada por Putin. Amiga pessoal de Putin, ela trabalhou em uma de suas campanhas presidenciais antes de ser escolhida por Gromov para chefiar a RT.
Também na mesa principal estavam três políticos ocidentais pró-Rússia. Willy Wimmer, um ex-membro do Bundestag alemão que frequentemente critica a política externa dos EUA; Cyril Svoboda, ex-vice-primeiro-ministro, ministro das relações exteriores e ministro do interior da República Tcheca; e a candidata presidencial do Partido Verde dos EUA por duas vezes, Jill Stein – a única americana além de Flynn na mesa principal.
Flynn já era um comentarista frequente da RT nos meses anteriores ao jantar. “Eu era um dos convidados lá… Alguns personagens interessantes. Achei uma ótima oportunidade de aprendizado”, afirmou o ex-militar americano.
Além da mesa principal, os oligarcas russos ocupavam muitos dos assentos. Um deles era Viktor Vekselberg fundador e presidente do Renova Group, que administra fundos de investimento em vários setores da economia russa. Ele foi também parceiro de negócios do ex-Secretário de Comércio de Trump no primeiro governo, Wilbur Ross. Anote esses dois nomes, pois vamos sair do banquete e pular para o salão de negócios.
Os bilhões da elite russa e a lavagem de dinheiro
Trump cercou-se de vários funcionários com laços excepcionalmente próximos da Rússia e vários assessores de Trump sabiam que a Rússia estava trabalhando para ajudá-lo. Um dos nomes russos com forte influência no governo americano é Viktor Vekselberg, empresário e oligarca russo-israelense, barão do petróleo, do alumínio e outros diversos investimentos.
Homem de confiança, Vekselberg, atendeu Putin ao gastar o valor de 100 milhões de dólares para adquirir os famosos Ovos Fabergé – joias raras e históricas, em formato de ovo, criadas pelo joalheiro Peter Carl Fabergé, que foram encomendadas pela família imperial russa. Ele também foi associado comercial do mega-empresário Wilbur Ross, que trabalhou de 2017 a 2021 no governo Trump.
Ross e Vekselberg eram grandes investidores em um banco cipriota que estava ligado ao dinheiro russo. Após uma crise financeira no Chipre, em 2013, a dupla se tornou acionista majoritária da instituição. Depois que Trump nomeou Ross para secretário de comércio, vários senadores democratas perguntaram sobre seu envolvimento com Vekselberg. Ross insistiu que Vekselberg não tinha sido seu parceiro [7].
Mas os dois bilionários estavam trabalhando juntos. Em outubro de 2014, Ross anunciou sua proposta para um novo conselho de diretores para o banco. Os diretores em sua lista incluiriam Maksim Goldman, um representante da Renova. O presidente do conselho — recrutado por Ross e Vekselberg — seria Josef Ackermann, um ex-CEO do Deutsche Bank que era então diretor da Renova Management AG, uma holding industrial controlada por Vekselberg.
Em novembro de 2017, Wilbur Ross foi acusado de fazer negócios com o genro de Vladimir Putin, por meio de um empreendimento de transporte na Rússia. Documentos vazados e registros públicos mostram que Ross detinha participação em uma empresa de transporte, a Navigator, por meio de uma cadeia de investimentos offshore. A Navigator operava uma parceria lucrativa com a Sibur, empresa de gás russa de propriedade parcial de Kirill Shamalov, marido de Katerina Tikhonova, filha de Putin [8].
Ross não é a única conexão de Vekselberg com o Trump World. No início de 2017, Andrew Intrater, CEO da Columbus Nova, a única subsidiária americana do Renova Group, doou 250 mil dólares para o fundo de posse de Trump. Intrater não tinha nenhum registro anterior de fazer grandes contribuições políticas. Em junho de 2017, ele também doou 35 mil para um comitê conjunto de arrecadação de fundos para a reeleição de Trump e o Comitê Nacional Republicano. Intrater, um cidadão americano, é primo de Vekselberg, de acordo com os registros na Securities and Exchange Commission.
Os articuladores do primeiro mandato de Trump
O ex-advogado de Trump, Michael Cohen, também foi investigado por receber aproximadamente 500 mil dólares de Viktor Vekselberg em oito pagamentos enquanto ainda trabalhava para Trump. O informe foi feito por Michael Avenatti, advogado que representava a atriz pornô Stormy Daniels – cujo verdadeiro nome é Stephanie Clifford. A atriz recebeu 130 mil dólares das mãos de Cohen como parte de um acordo de confidencialidade para calar um suposto romance com Trump [9].
Cohen foi o principal articulador das relações entre Trump e Rússia naqueles anos do primeiro mandato. O advogado do presidente conseguiu um importante encontro entre Andrii Artemenko, político ucraniano pró-Rússia, e Michael Flynn, em 2017. Artemenko, partidário de Viktor Yanukovych, havia elaborado um plano de paz aprovado pelo Kremlin, visando diminuir as sanções americanas e ocidentais após a escalada do conflito na região de fronteira entre os dois países.
A proposta escrita por Artemenko delineou como Trump poderia suspender as sanções dos EUA contra Moscou, em um acordo que também envolvia permitir à Rússia o arrendamento da península da Crimeia por 50 a 100 anos. Ativos totalizando entre 1,5 bilhão e 2 bilhões de dólares foram congelados como resultado das sanções impostas a Vekselberg e ao Renova Group [10].
A suposta conexão de Vekselberg com a operação do plano de paz acrescenta outra camada a uma subtrama já complicada da investigação. O Renova Group teria canalizado mais de 500 mil dólares em um período de sete meses em 2017 para a Essential Consultants, empresa limitada que Cohen criou nos meses finais da eleição de 2016.
Uma Trump Tower em frente ao Kremlin
De acordo com o antigo sócio imobiliário de Trump e outras fontes familiarizadas com o funcionamento interno da Trump Organization, seu renascimento pode ter realmente começado no início dos anos 2000 com o Bayrock Group, que alugava escritórios na Trump Tower.
O Bayrock era administrado por dois investidores que ajudariam a mudar a trajetória de Trump: Tevfik Arif, um ex-oficial soviético nascido no Cazaquistão, que recorreu a fontes aparentemente infinitas de dinheiro da antiga república soviética, e Felix Sater, empresário nascido na União Soviética.
Sater é um incorporador imobiliário que se declarou culpado na década de 90 por um enorme esquema de fraude de ações envolvendo a máfia russa. O empresário teve destaque nos planos de construção da Trump Tower em Moscou, sonho do então candidato que poderia se tornar realidade [11].
Segundo e-mails vazados após investigação do FBI, Felix escreveu para Michael Cohen: “Amigo, nosso garoto pode se tornar presidente dos EUA, e nós podemos arquitetar isso”. O empresário e o advogado são amigos de infância.
Festas em boates e Miss Universo em Moscou
O ano era 2013 e Trump estava levando o Miss Universo para a Rússia. Durante seu tempo em Moscou, Trump demonstraria afinidade por Putin com tuítes e observações lisonjeiras e bajuladoras que faziam parte de uma longa sequência de comentários sugerindo admiração pelo ditador russo.
O evento ocorreu no Crocus City Hall, propriedade de Aras Agalarov, um empreendedor bilionário que fez sucesso construindo complexos comerciais e residenciais, e que também possuía propriedades nos Estados Unidos.
Conhecido como “construtor de Putin”, um de seus projetos era uma comunidade habitacional em Moscou para os barões da burocracia do Kremlin, ostentando uma praia artificial e uma cachoeira. Agalarov foi escolhido para construir a infraestrutura massiva — salas de conferência, estradas e moradias — para a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico de 2012 em Vladivostok.
Trump e Agalarov se conheceram por meio do filho de Aras, Emin Agalarov, um cantor pop de sucesso na Rússia. Emin promoveu a amizade com o futuro presidente americano marcando reuniões que incluiam festas em boates obcenas e mulheres seminuas realizando atos de bestialidade e sadomasoquismo grotesco [12]. Em uma dessas festas, Emin encontrou-se com Alex Soros, filho de George Soros – mostrando que as elites da Rússia e do ocidente frequentam os mesmos ambientes. Durante o Miss Universo, o astro russo aproveitou também para gravar um clipe com participação de Donald Trump para a música “In Another Life”.
Tempos depois, em 2018, durante a abertura da Copa do Mundo realizada na Rússia, o bilionário Aras Agalarov, que também investiu e ganhou muito contruindo estádios para o evento esportivo, lembraria dos momentos com Trump em Moscou. “Fizemos um evento aqui com Trump, e depois ele virou presidente dos EUA”, citou o sorridente construtor de Putin diante de jornalistas, autoridades e câmeras de TV do mundo todo [13].
Comprovando as evidências
Analisando esses vínculos indiscutíveis com os oligarcas do Kremlin, todos comprometidos ideologicamente com os planos geopolíticos da Rússia, não é mais possível negar que as ações do atual governo americano são de fato comandadas por Putin e seu comitê. Não somente os discursos, mas principalmente as decisões relativas às relações exteriores comprovam isso.
Como demonstramos aqui, os ex-funcionários da KGB alegaram que as abordagens sobre Trump surgiram possivelmente na década de 80. O filho do presidente americano, Donald Trump Jr., também já havia admitido que o dinheiro russo salvou os empreendimentos do pai, após o risco de falência nos anos 90 [14]. “Os russos constituem uma seção bastante desproporcional de muitos de nossos ativos”, confirmou Trump Jr. Alan Lapidus, antigo arquiteto de Trump, ecoou essa visão em entrevistas. “Estava tudo saindo da Rússia. Seu envolvimento com a Rússia era mais profundo do que ele admitia”, ressaltou.
Donald Trump talvez seja o maior caso de ilusão política desses últimos tempos. Pior que isso, ele é um agente profundamente comprometido com uma nação inimiga. No jogo e na história dos poderes mundiais, pouco se cogitou e sequer foi imaginada a hipótese de um dia a Rússia dominar a presidência dos Estados Unidos. Porém, todo esse contexto e suas consequências não podem mais ser evitados. Aos direitistas, conservadores, patriotas e trumpistas em geral, fica o aviso: não é possível saber o que fazer e como se posicionar quando se nega a verdade.
Notas e referências
[1] – https://www.unian.net/politics/891313-garantom-vyipolneniya-soglasheniya-ob-uregulirovanii-krizisa-v-ukraine-yavlyaetsya-narod-tombinskiy.html
[2] – https://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/21/internacional/1424549956_442969.html
[3] – https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41811209
[4] – https://nymag.com/intelligencer/2018/07/trump-putin-russia-collusion.html
[5] – https://www.forbes.com/sites/kathleenhowley/2018/09/15/manafort-forfeits-trump-tower-condo/
[6] – https://www.nbcnews.com/news/world/guess-who-came-dinner-flynn-putin-n742696
[7] – https://www.motherjones.com/politics/2018/04/a-russian-business-associate-of-wilbur-ross-was-just-sanctioned-by-the-trump-administration/
[8] – https://www.theguardian.com/news/2017/nov/05/trump-commerce-secretary-wilbur-ross-business-links-putin-family-paradise-papers
[9] – https://g1.globo.com/mundo/noticia/fbi-investiga-empresario-russo-por-pagamento-a-ex-advogado-de-donald-trump.ghtml
[10] – https://www.vanityfair.com/news/2018/06/victor-vekselberg-michael-cohen-andrii-artemenko-russia-ukraine
[11] – https://abcnews.go.com/Politics/key-figure-trump-tower-moscow-project-testify-open/story?id=61399865
[12] – https://www.motherjones.com/politics/2018/03/russian-connection-what-happened-moscow-inside-story-trump-obsession-putin-david-corn-michael-isikoff/
[13] – https://oglobo.globo.com/esportes/russo-acusado-de-ajudar-eleicao-de-trump-abriga-centro-de-midia-da-copa-22763551
[14] – https://foreignpolicy.com/2018/12/21/how-russian-money-helped-save-trumps-business/