A maioria dos trabalhos sobre as revoluções, a mentalidade ou o espírito revolucionário (como queiram chamar), dizem respeito a um fenômeno visto como único, que teve um começo e obedece a certos padrões históricos. Podemos analisar essas tendências por meio das diversas heresias que existiram, principalmente a heresia gnóstica, que reapareceu inúmeras vezes ao longo da história e possui uma grande variedade de formas, incluindo o que podemos chamar de ideologia do mundo moderno, segundo Eric Voegelin.
Temos o conceito da mentalidade revolucionária, sobre o qual mais se ocupou o filósofo Olavo de Carvalho, que diz respeito aos ideais que principiaram aquela forma de pensar e que, mais tarde, deram origem a movimentos políticos e ideológicos. Temos ainda alguns trabalhos do polonês, Leszek Kolakowski, que retrocede ao que chama de “espírito” revolucionário, abordando, por exemplo, o anseio de uma organização escatológica dualista expressa por Lutero. Mas temos ainda uma terceira fonte sobre o tema que é a obra Revolução e Contra-Revolução, de Plinio Corrêa de Oliveira, que trata mais especialmente, não da origem das ideias, mas das manifestações públicas, entre teológicas, políticas e culturais, que se apresentaram na história. Considerando, portanto, as causas investigadas por Olavo de Carvalho e Kolakowski, podemos facilmente explicar o fenômeno prenunciado por Plinio Corrrêa, que não estudou propriamente as obras dos ideólogos ou intelectuais revolucionários em busca de sua fonte, mas de certa forma anteviu todo o processo que hoje vemos e, a partir do qual, é possível observar uma estrutura muito lógica do processo. O que é mais importante: toda essa estrutura é confirmada historicamente.
Poderíamos em outro momento enumerar algumas divergências pontuais, mas que do ponto de vista didático da exposição têm menor relevância, ainda que sirvam para uma compreensão ampla.
Muitas análises históricas a esse respeito foram feitas a partir da mentalidade revolucionária de Olavo de Carvalho, que expõe as origens das ideias. No entanto, estando ela bem compreendida, parece coincidir de maneira análoga ao processo descrito por Plinio Corrêa de Oliveira, conhecido por oferecer uma resistência estritamente católica contra esse processo.
Partindo da obra de Plinio, portanto, façamos umas observações que nos conduzam ao melhor entendimento do atual estágio do processo revolucionário. Importante ressaltar aquilo que ficará claro ao longo do texto, o fato de que, para Plinio, a Revolução nada mais é que uma obra do próprio Demônio para destruir a Civilização Cristã, o que já se encontra no estágio vitorioso, ao menos aos olhos daquela parte do mundo sobre a qual o pai da mentira estabeleceu seu império cultural, político e espiritual de erros.
Para Plinio, o ideal final da Revolução foi, desde seu início, promover uma adoração e culto mundial ao próprio Lúcifer, o que se vê hoje em formas literalmente expostas na cultura vigente. Mas como esse ideal já estava impresso na sua estrutura?
Primeira Revolução
Para Plinio, o primeiro fenômeno revolucionário de impacto foi a Reforma Protestante. Ela deu início à primeira iniciativa pública, política e de grande envergadura que, pela primeira vez na história, ousou negar Roma e dizer um imenso “não” à legitimidade do Papa reinante e da Igreja Católica como mediadora da salvação. Como obra tipicamente satânica (que não por acaso contou com a ajuda da Maçonaria na Alemanha), o protestantismo inaugura uma afirmação de Cristo (Deus Filho), mas por meio da negação da Sua Igreja.
O protestantismo representou uma reedição da “libertação” gnóstica, que a pretexto de romper um poder opressor de Roma, repetia a mensagem da Serpente do Éden em uma versão teológica.
Nota-se a assinatura gnóstica do igualitarismo na tese do livre exame e da própria ideia de uma independência e nacionalização da Igreja na Alemanha, cujos devaneios já vinham desde o ufanismo do Império Romano Germânico. Se o pertencimento à mesma Igreja unia a Europa, o novo nacionalismo surgiu para a dividir. O nacionalismo, com Lutero e Calvino, é reinaugurado na Europa como fruto deste igualitarismo com o qual será marcado historicamente pela mentalidade revolucionária e do qual nunca mais será libertado.
As monarquias europeias se dividiram entre reinados católicos e protestantes, removendo quaisquer lealdades que pudessem auxiliar numa resistência a ideais revolucionários que viriam a seguir.
Segunda Revolução
O segundo ápice revolucionário na história foi a Revolução Francesa, na qual a partir de uma afirmação de Deus Pai, negava-se Cristo e a Sua Igreja Católica. Já não havia uma afirmação protestante de um “Cristo sem Igreja” ou igualitário que nega a Eucaristia, mas apenas um Deus-Pai identificado com um “Grande Arquiteto do Universo”. Esse novo Deus, que já aparecia na filosofia moderna, visava unir sob a razão humana aquilo que o protestantismo dividiu. Mas deu origem a mais uma revolução. A maçonaria recém reformulada foi uma das maiores promotoras da Revolução, que ambicionava nada menos que decapitar literalmente tudo o que representasse o poder espiritual sobre o temporal, daí as guilhotinas contra os monarcas. A monarquia como estrutura natural e divinamente inspirada, por ser ligada à Igreja Católica, torna-se uma das primeiras vítimas desse processo revolucionário. Era preciso decapitar a Igreja Católica do poder. Surge o ideal da República, um tipo de governo que já é marcado pelo indiferentismo religioso característico da maçonaria.
A força da Revolução Francesa foi muito mais simbólica, pois legou à política vindoura todos os seus símbolos, crenças e lugares comuns, como a luta contra a pobreza, a desigualdade etc, tudo alicerçado no anticatolicismo militante e violento.
Terceira revolução
A terceira etapa foi o comunismo marxista, que através do ateísmo resultante das ideias desenvolvidas antes, durante e depois da Revolução Francesa, já não afirmava absolutamente nada e apenas negava Deus em sua mais explícita manifestação. Ali novamente a perseguição aos cristãos se tornou aberta e sanguinária. Mas o principal aspecto foi a redução do homem ao aspecto econômico, o que a inscreve como uma revolução de cunho liberal. O liberalismo, apresentado muitas vezes como oposto ao marxismo, foi na verdade o que possibilitou o comunismo ateu militante e sua sanha destruidora em nome do controle total sobre a economia e, consequentemente, sobre o homem.
Quarta Revolução
Aquela que é considerada a quarta etapa revolucionária não conta exatamente com um fato histórico, embora possa ser simbolizada por Maio de 68. Trata-se de uma revolução que se manifesta, não mais no campo teológico, como o protestantismo, ou simbólico-político da França, tampouco se restringe ao aspecto político ideológico do comunismo. A quarta revolução é aquela que se passa no coração do homem. Depois da negação da Igreja, de Cristo e de Deus, só poderia vir a afirmação do homem. Como um desenvolvimento daquelas ideias antropocentristas da Renascença, a modernidade do século XX pode chegar a um sistema social, cultural e psicológico que coloca o homem no centro de todas as preocupações. A revolução do consumismo e da propaganda ocupam lugar central neste processo, assim como as ideologias pacifistas, o movimento hippie, a contracultura etc. Infiltrada e vitimada de dentro por esse processo, teólogos da Igreja Católica buscaram, em dado momento, dar respostas para isso através da adesão da filosofia personalista, sem perceber que se estava apenas reafirmando um dos “estopins” da revolução como se apresentava então.
É nesta fase que podemos falar em uma superação do marxismo clássico e surgimento, por meio de suas outras formas, do que chamamos de globalismo, isto é, do projeto de uma Nova Ordem Mundial, do pacifismo, do ecologismo etc.
Importante destacar aqui um dos aspectos deste motor revolucionário final: a exploração dos vícios humanos pela propaganda, seja ela liberal (consumismo), seja pela via dos movimentos identitários originados do marxismo, que adaptou-se ao individualismo moderno através do identitarismo.
Quinta Revolução
Sendo um dos motores revolucionários a exploração dos vícios capitais, levados sempre adiante com o fim dos seus extremos, o final do processo de adoração do homem só pode terminar na adoração do próprio Demônio, etapa que pode ser encarada como final.
A Quinta Revolução se refere ao culto do próprio Lúcifer, aberto e público, isto é ao Satanismo. Apesar do sentido público desse culto, nem sempre é claro aos que estão imersos no lamaçal de vícios da revolução anterior. Mesmo aqueles que não se encontram numa miséria extrema de vícios, o fato de viverem e comungarem com teses e comportamentos do mundo moderno, os faz normalizar ofensas a Deus em manifestações que já ganharam expressões simbólicas e culturais, incapacitando os consumidores dessa cultura para identificarem o culto literal ao Diabo quando este aparece diante deles.
Estrutura da transição de uma revolução para a outra
Uma das coisas que nos ajuda a antever ou a identificar a era revolucionária em que estamos é a compreensão do processo de transição entre elas. Um dos mais evidentes chama-se saturação. Trata-se do cansaço ou da extrema exibição de certo padrão social visto como vigente, contra o qual uma força se insurge, dando origem ao processo seguinte.
Um exemplo está na cultura do Romantismo, na Europa, que levava a uma melancolia poética disseminada pela literatura e se refletia nas vestimentas de exageros de modéstia caricatos, que culminava em problemas de saúde. Ansiava-se por morrer de tuberculose, em um quase culto da doença. Esse movimento foi tão obviamente proposital que, no palácio de Versalhes, um baile convocado pela nobreza (uma nobreza já bastante revolucionária e cínica), não possuía banheiros, tendo sido objeto dos jornais a verdadeira porcaria de que resultou no dia seguinte.
Este exemplo basta para ter ideia de um certo cinismo na nobreza pouco antes das revoluções comportamentais e dos vestuários, que passaram a valorizar um culto oposto, o da saúde, dos hábitos saudáveis, roupas curtas e arejadas, em uma espécie de libertação das amarras da sociedade opressora e tradicional. Coincidência ou não, era no final do século XIX que surgiu a grande moda do naturalismo, nudismo e culto à natureza e à libertação esotérica orientalista (Monte Veritá), nos países aonde o Romantismo foi especialmente marcante.
O processo da Saturação se resume pelo uso de exageros ou caricaturas para instrumentalizar os próprios críticos e a opinião pública a serviço de um novo horizonte sobre o qual, em geral, não se imagina que chegará. Isso quer dizer que os revolucionários utilizam as reações dos seus próprios críticos, desde que estes não conheçam perfeitamente os seus objetivos finais, para colaborarem ativamente em favor deles.
Partindo deste exemplo, que levou à transição que preparou a sociedade para a Quarta Revolução, pensemos em como a sociedade atual, ainda imersa em um resto dessa quarta, o globalismo, prepara o surgimento da terrível Quinta Revolução.
O motor revolucionário por excelência, de acordo com Plinio, são o orgulho e a sensualidade. Não por acaso, esses são os dois ramos dos vícios da árvore dos vícios e das virtudes, que o grande educador Hugo de São Vitor utilizou para explicar os fins da educação medieval e suas ameaças à boa educação. Os ganhos que se originam desses dois vícios evoluem para as mil e uma combinações que vemos hoje em todas as ideologias modernas. Pois bem.
O globalismo, assim, como símbolo desta Quarta Revolução, sendo aquela que se passa no coração do homem, é a exploração, pelo Demônio, desses vícios até ao seu máximo possível, originando aberrações como as que vemos hoje: aborto, ideologia de gênero, teoria queer, bestialidades, incesto, pansexualismo etc, etc. Por definição e compreendendo essa estrutura que inclui as consequências dos vícios humanos, o resultado fatalmente será a chegada final e triste na pessoa do próprio Satanás, marca da revolução seguinte.
Ora, o avanço desse processo produz uma óbvia revolta moral na alma humana, o que leva fatalmente a um despertar de consciências que cresce à medida que avançam as aberrações. Se essas consciências estiverem atentas a esse processo, elas poderão pará-lo ao antever o próximo passo. Mas se não o conhecem, agem em benefício da transição para a etapa seguinte.
Se o globalismo é a ação indireta do Demônio na exploração da “Libido dominandi”, é o eurasianismo russo, de caráter abertamente satânico, a base para o estabelecimento de uma ação direta do Príncipe das Trevas através do disfarce de tradição, que leva inevitavelmente todos aqueles críticos da revolução anterior. Isso explica a insistência de Aleksandr Dugin com a oposição ao globalismo, ainda que sua matriz ocultista e esotérica o leve a origens comuns de ambos os movimentos.
Como um efeito de saturação neste processo, temos a Pandemia, que apesentou de maneira quase didática os ideais globalistas em uma quase caricatura dos efeitos da modernidade como utopia racional e cientificista, levando a um “empoderamento” e síntese confusa entre pós-modernidade e tradicionalismo, não por acaso a mistura usada por Dugin como navio quebra-gelo contra o Ocidente. A pandemia reuniu e agrupou conservadores, terapeutas holísticos e toda sorte de esotéricos, numa crítica geral à mentalidade vigente cujas bases nunca foram pura e simplesmente um materialismo racionalista, mas uma utópica libertação humana de raiz gnóstica. Através do duguinismo, apresentado como “libertação tradicionalista”, resgatou-se o perenialismo de nomes como René Guénon, cuja matriz parte de uma metafísica abertamente gnóstica, levando jovens e velhos descontentes com um suposto materialismo a se alistarem na guerra pela volta de um espiritualismo sobre o qual mal conhecem.
Neste sentido, resta-nos o alerta de Plinio Corrêa de Oliveira, que uniu a sua resistência contra-revolucionária à defesa da Igreja Católica, que como dizia Olavo de Carvalho, é a única capaz de restaurar um mínimo de sanidade no mundo. Mas sob os olhos dos filhos da quarta revolução, esta Igreja está morta e crucificada num altar de fracasso político, ideológico e cultural. Resta aos apóstolos da confiança a fé que durará para sempre, ao contrário dos que optam por abandonar o barco durante a tempestade em que Deus, aos olhos do mundo, parece dormir tranquilamente enquanto O ofendem de mil e uma formas.