Enquanto o “globalismo” segue como inimigo número um, a influência russa na direita global continua sendo ignorada por veículos conservadores
Relatório do Instituto Estudos Nacionais | Abril de 2025
Nos últimos anos, o debate político internacional se viu inundado por acusações contra o chamado “globalismo” – também chamado Consórcio de elites políticas, midiáticas e econômicas que concorrem para enfraquecer a soberania das nações e estabelecer um governo mundial de tipo liberal. No entanto, um tema permanece discretamente ausente do radar da maioria desses mesmos veículos: a crescente influência da Rússia em movimentos conservadores ao redor do mundo. Essa situação já tem sido apontada há alguns anos pelo Instituto Estudos Nacionais, mencionado na análise como um dos poucos sites que abordam o tema.
Agora, usando ferramentas de Inteligência Artificial, foi possível quantificar a recorrência desse tema em sites de direita no Brasil e no mundo e demonstrar o quanto isso pode ser representativo no contexto narrativo da geopolítica atual, em meio às tensões entre a Rússia, Europa e EUA.
Um levantamento estimativo realizado com base na análise automatizada dos principais portais de direita no Brasil e no exterior aponta um abismo entre a frequência com que ambos os temas são abordados.
De acordo com essa amostragem, 93% das reportagens e artigos sobre geopolítica em sites de direita ou conservadores focam no tema do “globalismo” como ameaça. Em contraste, apenas 7% dos textos dos mesmos sites apontam a influência russa ou a ideologia eurasiana de Aleksandr Dugin como fator relevante a demandar preocupação por parte da direita.
Em uma outra amostragem, utilizando um número maior de sites e predominantemente internacionais, chegou-se a uma estimativa maior para a questão russa, porém, na mesma tendência. Nela, o globalismo aparece com 78% de presença média estimada nos sites analisados. Já a infiltração russa na direita vem com 14% de presença média estimada, sendo geralmente ignorada ou negada.
Brasil: um caso à parte
No Brasil, a desproporção é ainda maior. Nos veículos como a Gazeta do Povo, Antagonista, Brasil Sem Medo (enquanto ativo), o tema “infiltração russa” aparece menos de 1% das vezes em conteúdos geopolíticos, quando comparado às referências negativas ao globalismo, Foro de São Paulo, ONU ou Agenda 2030. Essa estimativa mantém-se mesmo incluindo sites bastante acessados sobre temas geopolíticos atuais, como o PhVox e o canal do Youtube, Hoje no Mundo Militar.
Embora ofereça análises geopolíticas aprofundadas, o PhVox concentra-se principalmente em críticas ao globalismo, à esquerda latino-americana e à influência chinesa. Não há evidências significativas de abordagens críticas à influência russa na direita. Da mesma maneira, o canal Hoje no Mundo Militar foca em análises militares e geopolíticas atuais, com ênfase em conflitos internacionais e estratégias militares. As discussões sobre a influência russa na direita são praticamente inexistentes.
A exceção a esta regra parece estar apenas no site do Instituto Estudos Nacionais, que tem se destacado ao publicar reportagens e análises regulares sobre a infiltração ideológica russa em setores conservadores. O site trata de movimentos como o Nova Resistência, grupo nacionalista alinhado a Dugin e à Quarta Teoria Política, como exemplo da penetração do discurso geopolítico russo entre conservadores brasileiros, além de frequentemente apontar declarações e posicionamentos da direita mundial na direção do apoio às agendas russas, como no caso do governo de Donald Trump.
Gráfico estimativo de frequência temática nos sites de direita no Brasil e no mundo
Tema | Frequência estimada (%) |
---|---|
Críticas ao globalismo (ONU, OMS etc) | 93% |
Denúncias sobre infiltração russa | 7% |
Baseado em análise comparativa de conteúdo dos principais sites de direita no Brasil e exterior (2020–2025).
Em uma análise mais ampla, considerando um número maior de sites entre os mais influentes da direita no mundo, temos dados um pouco diferentes, mas que ainda apontam a mesma tendência ao foco no globalismo como problema, pauta tradicional da direita.
Site | Globalismo (%) | Infiltração Russa (%) |
---|---|---|
The Gateway Pundit | 100% | 10% |
Zero Hedge | 90% | 20% |
Breitbart News | 80% | 10% |
The Daily Caller | 60% | 10% |
National Review | 50% | 40% |
The Spectator | 70% | 30% |
Gazeta do Povo | 80% | 0% |
O Antagonista | 60% | 10% |
Jovem Pan News | 90% | 10% |
Brasil Sem Medo | 100% | 0% |
Globalismo como problema:
78% de presença média estimada nos sites analisados.Infiltração russa na direita:
14% de presença média estimada, sendo geralmente ignorada ou negada.
Essa estimativa mostra que a crítica ao globalismo é um dos pilares discursivos do ecossistema midiático da direita contemporânea, enquanto a questão da influência russa é amplamente evitada, ignorada ou tratada como propaganda adversária.
Por que o silêncio sobre a Rússia?
Sobre as razões para o silenciamento do tema na direita brasileira e mundial, recorremos a diversas possibilidades, extraídas de nossos relatórios anteriores combinadas com análise das hipóteses exploradas através das ferramentas de I.A. utilizadas.
Alinhamento tático momentâneo: Como a Rússia de Putin adota discursos anti-ONU e conservadores nos costumes, essa plataforma é vista como aliada “natural” por setores da direita, ainda que para alguns isso represente apenas uma opção estratégica de momento. Isso é apontado principalmente pelo fato de ser inegável o conhecimento desses setores conservadores sobre a natureza perigosa dessas ideologias.
Falta de conhecimento sobre a Quarta Teoria Política: Muitos comunicadores conservadores ainda não conhecem as bases ideológicas da geopolítica russa moderna, centrada em Dugin, embora o livro-debate entre Olavo de Carvalho e Aleksandr Dugin já tenha sido publicado há mais de 10 anos no Brasil. A leitura e análise aprofundada de temas geopolíticos nunca foi uma tradição na direita nacional, exceto entre os primeiros alunos de Olavo de Carvalho. Com a ascensão da direita na política, desde 2018, o noticiário político passou a ser o principal oráculo para a escolha de temas e preocupações nacionais ou do próprio espectro da direita política.
Receio de ruptura interna: Denunciar a infiltração russa poderia provocar divisões nos movimentos de direita, especialmente entre os que simpatizam com líderes como Trump ou Orbán, frequentemente associados à influência do Kremlin. Este fator também pode ser acrescentado à preferência por alianças políticas, também fruto do foco desmedido em soluções partidárias e estatistas ou meramente narrativas.
- Razão econômica: Grande parte da direita nacional e internacional cresceu nos últimos anos com base na percepção de um público crescente, o que foi percebido como grande oportunidade comercial. Neste sentido, surgiram editoras, sites por assinatura, revistas, canais de Youtube, cursos etc, que dependem de um alinhamento e linguagem clara com o público-alvo. Os temas do globalismo se tornaram de fácil apreensão ao longo do tempo, graças ao trabalho de celebridades que sintetizaram esquemas de poder, como o filósofo Olavo de Carvalho, falecido em 2022. Assim, o tema do eurasianismo se tornou um “bicho estranho” ou associado a teorias conspiratórias de difícil explicação, o que agrava considerando a razão número 2: a falta de conhecimento sobre o tema e de especialistas gabaritados para explicar.
Um alerta necessário
A predominância quase total do discurso anti-globalista sem contrapeso crítico à influência estrangeira russa pode criar uma nova cegueira ideológica. A denúncia de uma dominação global não pode ser seletiva: se a defesa da soberania nacional é o centro do discurso conservador, ela deve valer tanto contra organismos ocidentais quanto contra potências antiocidentais.
Como frequentemente aponta o Instituto Estudos Nacionais, parece incoerente combater a agenda da ONU enquanto se ignora o avanço ideológico de Moscou nos círculos da nova direita global. O resultado dessa cegueira será a crescente submissão ideológica, que trará grandes modificações nas concepções ditas conservadoras.
Critérios e metodologia
Foram analisadas as 10 publicações mais recentes com temas geopolíticos em cada um dos sites listados abaixo, no período de março a abril de 2025. Neles, contaram-se as menções explícitas a “Globalismo”, “ONU”, “OMS”, “Agenda 2030”, “Foro de São Paulo”. De outro lado, “Rússia”, “Aleksandr Dugin”, “Quarta Teoria Política”, “influência russa”, “Nova Resistência”.
Foram consideradas apenas as menções em tom crítico ou analítico, não neutras ou laudatórias. O cálculo estimativo final foi feito com base em relação proporcional entre frequência temática nos sites. Esta estimativa foi feita com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial guiados por critérios e perguntas elaboradas pela equipe do Instituto Estudos Nacionais com base nas observações sociológicas e políticas prévias, conforme as observações recorrentes no site.
Fontes gerais utilizadas pela ferramenta IA
Artigos jornalísticos de domínio público e trechos representativos de sites como:
The Gateway Pundit
Breitbart News
Zero Hedge
National Review
The Spectator (UK)
The Daily Caller
Gazeta do Povo
O Antagonista
Jovem Pan News (particularmente conteúdos opinativos)
Brasil Sem Medo (quando citado em análises públicas, fóruns ou repositórios agregadores)
Análises e críticas acadêmicas ou jornalísticas a respeito da mídia de direita, especialmente:
Relatórios da Columbia Journalism Review
Estudos da Harvard Kennedy School (Shorenstein Center)
Dados e mapeamentos do Media Bias/Fact Check, Ad Fontes Media e similares
Debates em fóruns e repositórios agregadores (ex: Reddit, StackExchange, blogs políticos), onde o conteúdo de tais sites era discutido, resumido ou citado.
Publicações e livros sobre política e mídia que citam diretamente esses veículos:
Ex.: Network Propaganda (Benkler et al.)
Relatórios do Pew Research Center, Reuters Institute for the Study of Journalism, etc.
A análise é inferencial e baseada em padrões históricos de conteúdo observados nesses veículos e discutidos em fontes abertas. Não houve scraping nem acesso a material protegido por paywall ou direitos autorais restritivos.