Infelizmente, mais uma vez no mês de janeiro, nosso maravilhoso estado de Minas Gerais tem todas as atenções voltadas para si em função de uma tragédia. A tristeza que acompanha a perda completamente inesperada de dez vidas humanas é intensa… causa desconcerto em nosso interior, angustiamo-nos ao pensar nos familiares das pessoas que num segundo estavam alegres e felizes, apreciando um passeio em local de rara beleza e, no instante seguinte, tornaram-se vítimas de um acidente fatal cuja violência mutilou seus corpos.
O padrão médio de nossa sociedade está, porém, tão degradado que, mesmo diante de tamanho infortúnio, deparamo-nos com o que pode haver de pior no ser humano: exibicionismo, narcisismo, imoralidade, materialismo, superficialismo e afetação de bondade e virtude. Pronto, está formado o arquétipo dos fariseus modernos.
Quem eram, afinal, os fariseus do tempo do Evangelho? Famosos por seus 613 mandamentos seguidos à risca, tornaram-se sinônimo do cinismo e do apego à aparência em detrimento da verdade. Muitas vezes Jesus os desmascarou, em muitas oportunidades mostrou que as supostas virtudes por eles cultivadas de nada valiam, pois fundadas em mera ritualística externa, completamente distantes de uma motivação interior autêntica.
Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim – nessa sentença de Jesus, constante em Mateus 15, 8-9, onde lembrou a profecia de Isaías 29,13, o Mestre deixa escapar o grito de indignação: hipócritas! É bem a vosso respeito que disse o Profeta, seguem preceitos provenientes apenas dos homens!
Os fariseus são, portanto, aqueles que abandonaram o mandamento de Deus para seguir as prescrições dos homens, aqueles que abandonaram a disposição interior para se aferrar a ritos e fórmulas prontas, meramente exteriores, capazes de atestar sua virtude e bondade ao mundo. Os fariseus modernos estão por toda parte, é verdade, mas proliferam-se como gafanhotos nas redes sociais.
Arthur Morisson1 fez uma sequência em seus “stories” no Instagram que poderia até causar riso, não fosse pelo tristíssimo pano de fundo do desastre ocorrido no Lago de Furnas. Ele expôs o ridículo e a hipocrisia de pessoas que, a pretexto de demonstrar solidariedade, empatia e humanidade, aproveitaram-se da tragédia para postar suas próprias fotos no local, de biquinis e sungas de grife e corpos à mostra, com direito a muitos copos “stanley” e legendas recheadas de frases de efeito vazias, tais como, “não somos nada, viva como se fosse o último dia” – “gratidão todos os dias, a vida é tão curta”, etc… E sem esquecer das muitas hashtags: #forçacapitolio #boytravel #furnas #avidaecurta #gratidao #mardeminas #loira
Desvendemos, então, alguns dos mandamentos dos fariseus modernos – não 613, apenas alguns:
- Aproveite toda oportunidade para mostrar como você é “do bem”.
- Demonstre solidariedade a quem sofre, principalmente através de fotos que mostrem que, além de bom, você também é bonito (ou bonita).
- Afete compaixão e empatia através de frases prontas.
- Gratidão sempre. #gratidaosempre
- Faça declarações de amor a seus filhos, marido, pais e avós ostentando viagens e presentes.
- Faça uma dancinha em solidariedade aos que sofrem
- Faça biquinho e um V de vitória, com efeito bumerangue, e escreva: força!
- Resposte o textão de uma celebridade muito emocionada e diga que “faz suas as palavras dela”.
Não dá para negar que as pessoas vivem como se não possuíssem nada de imaterial, morbidamente presas a um exibicionismo grotesco que as impede de desfrutar de qualquer momento, por mais corriqueiro e banal que seja, sem noticiá-lo ao mundo. Isso já seria mau por si só se não houvesse o agravante da imoralidade, do despudor, da oferta do corpo como item de vitrine, e do consumo de pornografia, que agora não é mais produzida apenas por “profissionais” como em outros tempos, mas por toda essa gente comum: que graça tem se matar na academia se não for para exibir o corpão nas redes sociais?
Essa idolatria maluca do corpo e dos símbolos de riqueza e prestígio deixam as pessoas cegas, obcecadas em “parecer”, movendo-se lateralmente em busca de aprovação. Ou seja, o que importa é ser aprovado e invejado pelos outros, movendo-se sempre para os lados. Não se olha para o céu, pois ninguém se lembra de Deus. Também não se olha para baixo, pois o inferno (acreditam eles) não existe. É o total abandono do sobrenatural e de qualquer transcendência. Só vale o aqui e o agora.
O Venerável Fulton Sheen chamava a atenção, na década de 40, para o fenômeno da indiferença, o qual sempre ocorreu e continua a ocorrer agora. Deus está sempre a desempenhar o mesmo papel, é o Eterno Galileu que se revela, pelos acontecimentos, aos seus… mas os seus não o recebem. O enredo é sempre o mesmo: o da indiferença dos homens, tão antiga no mundo como eles mesmos, enredo em que só o ambiente exterior e os atores são novidade em cada época2.
Repare na indiferença dessa gente à tragédia humana ocorrida em Capitólio. Note como se movem lateralmente, sobre a Terra e para a Terra. Esquecido de Deus, o homem fica reduzido ao imediatismo e à dimensão do que é visível. Nada mais. Mas Deus está neste, como em todos os acontecimentos do mundo. Ele se mostra, mas todos estão alheios…
E a mídia, talvez com intuito de deboche, talvez com ironia, ou talvez por simplesmente não saber produzir uma manchete:
Acidente em Capitólio. Todos os sete mortos e três desaparecidos estavam na lancha chamada Jesus.
O mesmo Fulton Sheen explica, em outra obra,3que o homem acha agora que sua atividade está limitada à superfície da terra, a alma moderna limitou definitivamente seus horizontes. O mundo corre atrás de suas ilusões, de seus interesses momentâneos, passando indiferente pelas riquezas da Eternidade, preocupado somente com as “riquezas” temporais.
Nem mesmo a morte abrupta e inesperada é capaz de acordar esse homem moderno de seu transe hipnótico. O que ele quer é postar, postar e postar, aparecer, aparecer e aparecer e receber uma chuva de comentários do tipo: “- muito triste, né amiga? Só Deus…” ou “Cara, que loucura isso né? Que tragédia…”
Sobe o alcance das redes sociais do fariseu moderno, diante de um fato que deve inspirar recolhimento, oração e silêncio.
Mas, são esses, enfim, seus códigos morais, criados por eles mesmos para serem observados por seus iguais. O que vale é o juízo do grupo, acreditam apenas uns nos outros e no modo como vivem. Existe um padrão moral pelo qual julgam todas as ações humanas: aquele é um pobretão, aquele outro é fracassado, aquela lá é uma gorda, o outro é corno, e aquele lá é um invejoso… Duvidam? Agucem um pouco o ouvido em qualquer restaurante ou praça e constatarão, abismados, que o assunto de todos os grupos é sempre e tão-somente a vida alheia, em comparativos financeiros, estéticos e “estilísticos”.
Seguem à risca seus preceitos ligados à aparência, mas não se preocupam com os dramas reais existentes dentro do coração humano. E nem poderiam, pois, quanto mais distante de Deus, mais distante o homem está do próprio homem e de tudo que é humano. E assim entra em cena o padrão de excelência do fariseu moderno, quantitativo e medíocre, meramente moralista e moralizador, cuja afetação de virtude e bondade visam a esconder um coração perverso e doentiamente apegado à imagem, e ao próprio umbigo.
1 Confira o perfil no instagram: @ArthurMorisson.
2 Sheen, Fulton John. O Eterno Galileu. São Paulo: Molokai, 2018, p. 131.
3 Sheen, Fulton John. A paz da alma. São Paulo: Molokai, 2015, p.9